segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Uma Noite no Escórpio



Eu estudei durante todo o Ensino Fundamental numa escola, ao ser aprovado para o Ensino Médio, confessei ao papai que queria seguir os seus passos, queria me ser um médico.


Minha confissão fez com que papai e mamãe decidissem me colocar noutra escola, no caso, uma que fosse voltada unicamente para formar futuros estudantes de Medicina. Lembro-me perfeitamente do meu primeiro dia de aula: foi assustador.

Em qualquer lugar desse mundo imenso, ser o novato é uma situação bastante desconfortável, você não conhece ninguém, não faz à menor ideia de como se portar, caí em algumas piadinhas infames, falha em entender uns trocadilhos e fica completamente perdido em meio à hiper-intimidade que as pessoas ao seu redor parecem ter umas com as outras.

Ser o novato é desconfortável e foi assim que tia Ofélia se sentiu na noite em que tio Téo resolveu apresentá-la para os seus irmãos postiços, a estação era o inverno, todos os dias estavam fadados a serem torrencialmente chuvosos, fazia um frio danado, trovões eram escutados de cinco em cinco minutos, relâmpagos iluminavam o céu e um mendigo enlouquecido cambaleava pelas ruas exibindo um pedaço de cartolina onde se lia “O FIM ESTÁ CHEGANDO” em letras garrafais ao mesmo tempo em que gritava a profecia em plenos pulmões.

Apesar dessas peculiaridades, a trupe poderia ser encontrada em sua mesa usual toda sexta-feira no Escórpio, afinal, era uma tradição e dela não havia escapatória, depois de tanto tempo, estar naquele barzinho com os amigos fazia parte de suas vidas, aquilo era importante.

Descaracteristicamente (isso é uma palavra?), tio Téo foi o último a chegar ao bar naquela noite, irrompeu pela porta de entrada empunhando numa mão o espalhafatoso guarda-chuva amarelo, que fora um presente do papai, enquanto tinha entrelaçado os dedos da outra mão com os da sua futura esposa, embora sequer desconfiasse disso na época.

Ao redor da mesa estavam o Sr. e a Sra. Oliveira, tio Jorge (com uma aliança de casamento no bolso da calça, ele pretendia fazer o pedido dali a alguns dias), tia Ciça (que tinha um sorriso de orelha a orelha no rosto, pois havia descoberto a bendita aliança no bolso do namorado horas atrás) e o papai, outra vez solteiro e pela primeira vez o único descompromissado naquela família.

Tio Téo foi recebido calorosamente como de costume, todos foram simpáticos com a sua nova namorada, a qual fora descrita por tia Déia como “diferente dele em todos os níveis possíveis”, fizeram um esforço para tratar de assuntos dos quais ela poderia participar sem conhecimento prévio, contudo fracassaram miseravelmente, pois mesmo suas reclamações sobre a política do país pareciam fazê-los lembrar dos tempos de escola, tia Ofélia, coitada, acabou ficando calada.

– Pois é, né, a Ofélia fala muito! – brincou tia Déia. – Caramba, menina, não fechou a matraca uma vez sequer! – todo mundo riu, inclusive a futura Sra. Viera, ainda que com uma risada constrangida.

Empenhada em se entrosar com a família postiça do namorado, tia Ofélia soltou a primeira pergunta que surgiu em meio aos seus pensamentos: – Vocês se conhecem há quanto tempo?

– Por quase uma vida inteira – respondeu tio Patty.

Papai apontou para o tio Jorge: – 18 anos.

Depois para o tio Patty: – 18 anos também.

Daí para o tio Téo: – 17 anos.

Então para tia Déia: – 8 anos.

E por último para tia Ciça: – 5 anos.

– Nossa! – exclamou tia Ofélia. – Conheço minha amiga mais antiga há apenas dois anos.

– Ah, é porque não somos exatamente amigos, sabe – papai falou.

– Somos uma família... De mães e pais diferentes, é claro – complementou tio Patty.

– E se lembram como se conheceram?

Meus tios postiços, instintivamente, olharam para o papai.

– O Felipe lembra – disse tio Téo.

– Se quiser, eu posso te contar – papai disse.

– Eu quero – respondeu tia Ofélia. – Adoro histórias.

Papai estalou os dedos. – OK, aqui nós vamos...

Cito meu querido pai, “OK, aqui nós vamos”. Relatarei da melhor maneira possível as cinco histórias de como papai conheceu sua família postiça, para me manter fiel ao modo como ele me contou, fá-lo-ei em ordem cronológica ao invés de ordem da importância de cada um no coração do amor da vida de minha mamãe.

História do tio Jorge. Papai conheceu tio Jorge no primeiro dia da 4ª Série há mais ou menos meio século, enquanto papai estudava naquele colégio há quatro anos, meu tio postiço tinha acabado de se matricular, portanto se encontrava na desconfortável posição de aluno novo.

Parafraseando o papai, tio Jorge era uma criança rechonchuda de onze anos com rosto inocente e personalidade tímida, em mais de uma ocasião, papai disse nunca ter conhecido outra criança tão gentil e dócil como tio Jorge... Quem diria que ele mudaria tanto! Por favor, não me entenda de maneira errado, tio Jorge é amado por nós como se fosse nossa carne e sangue, contudo não há como ficar espantado com tamanha mudança de personalidade.

E ainda há quem tem coragem de dizer “Mostre-me um menino aos dez anos e eu te direi que tipo de homem ele será!”.

Enfim, de volta a história... Apesar de papai e tio Jorge estarem perto um do outro durante o dia inteiro, eles apenas foram se conhecer durante a última aula, Português, quando a professora dividiu aleatoriamente sala em várias duplas para fazer um exercício do livro didático (pelo visto, nem todas as crianças tinham comprado-o e tio Jorge era uma delas).

Nem meu pai nem meu tio postiço eram bons de português naquela época, então o exercício acabou demorando mais para ser feito do que originalmente esperado, demorou tanto que logo restaram somente eles dois e a professora, a qual estava decidida a não deixá-los sair antes de terminarem o dever, na sala de aula.

Aquela foi uma experiência terrível para o tio Jorge, pois tinha medo de perder a condução e, desse modo, ficar sozinho no colégio enquanto teria de esperar duas horas para sua mãe ir buscá-lo e quando ela finalmente chegasse, esculhambá-lo-ia. Vovô, por outro lado, já estava esperando papai no estacionamento da escola e poderia muito bem aguentar mais uns minutinhos extras, tendo isso em mente, papai pediu à professora que liberasse o tio Jorge, pois terminaria o exercício sozinho.

Tocada pelo pedido de papai, a professora liberou tio Jorge, que agradeceu o gesto de todo coração e depois saiu correndo em direção a condução, no outro dia se sentou ao lado do papai...

–... E assim tem feito desde então – papai concluiu.

– Oh! Que fofo! – falou tia Ofélia, emocionada.

– Normalmente dizem isso depois de escutarem a nossa história – comentou tio Jorge, sorrindo. – É uma boa história.

– E é muito bem contada – sibilou papai. – Bem, é a vez da história do Pattryck...

História do tio Patty. Três semanas após a amizade do papai e do tio Jorge ter nascido, papai se encontrou sozinho sem o seu meu tio postiço, pois este ficara doente e não tinha ido para aula, fazendo com que o relógio naquele dia em particular andasse com uma lentidão inferior a de uma lesma ou um caracol.

Isso mudou na hora do intervalo.

Tudo era menos custoso naquela época, então uma nota de um real era mais do que suficiente para comprar um salgado e um refrigerante de 300 mℓ, papai se meteu na gritaria e empurra-empurra que era a fila da lanchonete, comprou o seu lanche e foi se sentar, solitário, no palco de concreto situado mais ou menos no centro da escola, comeu em silêncio, lambeu os pedacinhos remanescentes de comida com a língua, então ficou a olhar as outras crianças do Ensino Fundamental.

Foi quando avistou um menino de onze anos com quem estudava na mesma sala, mas com o qual nunca havia falado direito, sua pele absurdamente branca, cabelo muito despenteado e rosto que indicava necessitar de uma boa noite de sono fizeram com que aquele menino recebesse um apelido nada agradável: Defunto.

Papai, em toda sua polidez, nunca havia chamado-o por aquele apelido horrível, pois sabia perfeitamente que o menino tinha um ódio mortal pelo mesmo, ao vê-lo com uma caixinha de chiclete Adams, na qual vêm duas unidades, papai sentiu vontade de mascar chiclete, então chamou o menino pelo nome, algo que poucos faziam.

– Ei, Pattryck!

A princípio, tio Patty estranhou um desconhecido chamando-o pelo nome, mas se aproximou do papai do mesmo jeito.

– Ah, me dá um chiclete?

– Tá.

Tio Patty abriu a embalagem da goma de mascar, tirou uma unidade e entregou-a ao papai que, por educação, ficou conversando com ele durante o resto do recreio, uma conversa bastante divertida.

Foi um gesto simples, de uma questão de segundos. O que é incrível, afinal, quem diria que uma das amizades mais famosas do mundo de hoje nasceria dessa maneira?

– Se não fosse por aquele chiclete, talvez você não tivesse nascido – falou papai. – Sem a amizade do seu tio Patty, eu poderia ter me transformado uma pessoa diferente, uma pessoa por quem sua mãe não se apaixonaria.

Todos nós somos eternamente gratos por aquele chicletezinho aparentemente sem importância ter acontecido, de fato, minha irmãzinha e meu cunhado sentem uma gratidão tão forte por aquele chiclete que presentearam papai e tio Patty com uma goma de mascar da mesmíssima marca no aniversário de 40 anos de amizade, suas “bodas de berilo”, como descrito por tia Déia.

– Uau! Você não fica com inveja dessa amizade deles, não? – perguntou tia Ofélia.

Tia Déia encolheu os ombros. – No começo sim, mas agora já estou acostumada.

– O que eu e o Felipe temos é um amor de manos – explicou tio Patty. – Eu e a Andréa, por outro lado, temos um amor romântico, carnal, sexual.

– E que seja assim para sempre! – exclamou papai.

Tia Ofélia soltou uma risada, estava se divertindo com aquele momento. – Então, de quem é a próxima história?

– Do Téo – respondeu papai. – Bem, ah, sobre a história do Téo...

História do tio Téo. É uma que sempre me faz rir. Não há um pingo de dúvida sobre a veracidade da memória eidética do papai, contudo ele ainda é humano e, como todo humano, tem suas imperfeições, o mesmo vale para sua memória.

Há três lembranças que simplesmente desapareceram do córtex cerebral do papai: 1) toda e qualquer lembrança anterior aos seus quatro anos de idade; 2) o dia em que foi atropelado por uma bicicleta em pleno Círio de Nazaré; e 3) como conheceu o tio Téo.

– Ele não esta em minhas lembranças da 4ª Série, tampouco em algumas das do início da 5ª Série, daí se passam dois meses e, puff, seu tio Téo esta lá sentando conosco, conversando sobre Dragon Ball Z, The Legend of Zelda: Ocarina of Time e Foo Fighters.

Durante anos e anos, papai e tio Téo se uniram na esperança de descobrir como se conheceram apenas para se sentirem frustrados com a incapacidade de fazê-lo, depois de algum tempo, pararam de tentar, afinal, você pode aprender com o passado, mas estes dias nunca voltarão, você pode ansiar pelo futuro, mas talvez não haja um, olhe ao redor, aproveite o presente – mais uma das muitas lições que aprendi com papai. Só importa que após tanto tempo, papai e tio Téo mantêm um inabalável laço de amizade.

– E como vocês farão quando seus filhos perguntarem como se conheceram? – indagou tia Ofélia.

– Ou contaremos a verdade... – falou tio Téo.

–... Ou inventaremos a nossa própria versão – complementou papai. – O que você acha de termos nos conhecido enquanto enfrentávamos uma gangue de rua?

– Só se eu puder ter uma moto vermelha – disse tio Téo.

– OK, OK, mas eu te salvei do líder da gangue, que era um palhaço malvado.

Sim, a coulrofobia do papai é tão antiga quanto ele próprio.

Tia Ofélia se voltou para tia Déia. – E você, ah, posso te chamar de Déia?

Tia Déia ponderou por um instante. – Pode sim – assentiu.

– Ótimo – sorriu tia Ofélia. – Mas sim, como você foi trazida para esse círculo?

Tia Déia olhou para o papai, ele encerrou seu devaneio com tio Téo, limpou a garganta e voltou a falar: – A história da Andréa...

História da tia Déia. Era sexta-feira de noite, como de costume, o Quarteto Fantástico estava no Escórpio em sua mesa preferida, bebendo suas bebidas preferidas e falando sobre seus assuntos preferidos, notavelmente, estavam todos solteiros e felizes com esta condição.

A solteirice quádrupla teve um efeito peculiar no papai e nos meus tios postiços, por estarem todos na mesma situação, se apoiavam com firmeza, de modo que ficaram muito mais corajosos no quesito da abordagem.
Só que perderam ligeiramente a noção do ridículo.

Tia Déia estava sentada no balcão do barzinho bebendo, tranquilamente, o seu appletini, papai avistou-a e de imediato concluiu que ela era o tipo do tio Patty, cutucou o irmão postiço, indicou a futura esposa do mesmo e o desafiou a conquistá-la usando a melhor cantada do mundo, se tio Patty conseguisse, ganharia não somente uma ótima companheira para aquela noite como também ficaria mais rico em cinquenta reais.

– O que vocês acham? – perguntou tio Patty aos outros dois.

– Tá brincando? – falou tio Jorge. – Por cinquenta reais eu afundaria minha cara na sopa e assopraria!

Preciso dizer que ele falou essa hipérbole unicamente por que queria ver o tio Patty se dando mal? Não posso culpá-lo, afinal, sempre é engraçado ver um amigo levar um fora.

Tio Patty virou garganta abaixo o restante do conteúdo do seu copo, pediu que os amigos lhe desejassem sorte, ficou de pé, rumou até o balcão, se acomodou ao lado da tia Déia, abriu um sorriso cara-de-pau e soltou a melhor cantada do mundo imortalizada por George Costanza interpretado por Jason Alexander no bem-sucedido sitcom dos anos 90, Seinfeld (nunca ouvi falar).

– Oi, o meu nome é Pattryck, estou desempregado e moro com os meus pais.

Tio Ofélia ficou de queixo caído. – Ele realmente disse isso? Você realmente disse isso?

– Ele realmente disse isso – afirmou tia Déia.

– Eu realmente disse isso.

– Eu não acredito que você caiu nessa! – exclamou tia Ofélia.

– Nem eu! – concordou tia Ciça. – Não é exatamente a melhor cantada do mundo, né...

– Ei! – disse o Quarteto Fantástico em tom de desaprovação.

– O quê? Ele falou isso, eu achei engraçado, ele me pagou outro appletini, conversou comigo e quando dei por mim...

– Estávamos tentando fazer o Canguru Perneta no quarto – disse tio Patty.

– Pensei que tivesse sido o Congo Blue! – falou papai.

– Não, não, Congo Blue foi durante o terceiro encontro – corrigiu tio Patty.
O queixo de tia Ofélia caiu mais um pouco.

– Sim, eles falam até disso – disse tia Ciça aos risos. – E o mesmo acontece com o Téo.

– Literalmente, não há segredos entre esses quatro – falou tia Déia.

– São quase duas décadas de amizade – disse tio Jorge. – Nós podemos ler os pensamentos um do outro!

– Nossa...! – exclamou tia Ofélia. Ela se virou para tia Ciça. – Cecília, né?

– Pode me chamar de Ciça.

– Sua história é a próxima, certo?

– Certo.

– Por favor, me diga que a cantada foi melhor do que aquela...

– Bem... – disse papai.

História da tia Ciça. Aos 25 anos, papai levou um pé na bunda homérico de sua namorada da época, Marianne, traumatizado, ele passou seis meses sem coragem de se relacionar com outra mulher no nível romântico-sexual, isso somente foi mudar quando arranjou um emprego no hospital da T. Humaitá.

Em seu primeiro dia de trabalho, papai pegou o elevador juntamente de outra médica, trocou um “Bom dia” polido com ela e um “Tchau” quando chegou ao seu andar. No segundo dia, papai se encontrou outra vez no elevador com ela, cumprimentou-a como no dia anterior, porém também notou como ela era atraente. Papai não encontrou com ela no terceiro dia, no quarto, por outro lado, tornou a estar em sua companhia, ele inclinou a cabeça na direção dela e disse “O meu nome é Felipe” para o que ela respondeu “O meu é Roberta”.

No quinto dia, sexta-feira, papai atendeu a um telefonema enquanto estava no elevador com ela. – Sr. Prefeito, tudo bem? Sim, sim, pode contar comigo. Dessa vez eu me encarrego de preparar o churrasco! – desligou o telefone e olhou para a Dra. Roberta. – Você sabe que esse foi um telefonema de mentira, né?

Ela soltou um risinho. – Sei sim.

– Então, ah, hoje é sexta – papai falou. – Ao invés de comer a comida ruim do hospital, você não quer jantar comigo num restaurante depois do expediente? Num bom restaurante.

Dra. Roberta mordeu o lábio inferior e o elevador chegou ao andar do papai. – Eu saio às oito.

Papai e a Dra. Roberta saíram naquela noite... E ela não se saiu exatamente como ele esperava: era uma pessoa horrível. Arrogante, mal-educada, chata e de pavio curto, ela só fez reclamar do instante em que se sentou na cadeira do restaurante até a própria chef do lugar sair da cozinha para lhe perguntar qual era o problema dela, e com toda razão: uma pessoa que devolve três refeições em perfeitas condições certamente tem problemas.

Papai sobreviveu até o final do encontro, se despediu da mulher com um beijo na bochecha e decidiu nunca mais vê-la pelo resto da vida. Sentindo-se culpado, papai foi à cozinha do restaurante se desculpar com a chef, que não deu muita atenção ao pedido de desculpas e se limitou a dizer “Sua namorada é horrível, tenho pena de você”, papai assentiu com a cabeça, saiu dali, mas voltou imediatamente.

– Sei que isso provavelmente não mudará nada, mas... Eu realmente gostei da sua comida – ele disse. – Qual é o seu segredo?

– Eu sou muito boa – respondeu tia Ciça.

PARA TUDO! – falou tia Ofélia. – Se você era namorada dele, como terminou com ele? – e apontou para o tio Jorge.

– No dia em que o Felipe noivou com a Bia, eu me senti terrivelmente chateada, tive a sensação de que nunca encontraria alguém para mim, então fiz o que sempre faço quando estou chateada: fui procurar por sexo animal e selvagem.

– Só que como o Felipe tinha acabado de noivar, ela se contentou comigo – falou tio Jorge.

Um comentário: por razões mais do que óbvias e considerando a personalidade do tio Jorge – ele nunca perdeu uma oportunidade de sacanear o papai –, tenho minhas dúvidas sobre a veracidade desse pequeno trecho de conversa entre o tio Jorge e a tia Ciça, seja como for, foi assim que o papai me contou a história, então...

– Oh, não fala isso! – disse tia Ciça dando um beijo carinhoso no futuro marido.

Tia Ofélia se esticou na cadeira. – Nossa, pessoal, vocês são incríveis! – falou. – Eu nunca pensei que encontraria gente como vocês!

– Nós temos esse efeito nas pessoas – disse o tio Téo.

– Bem, eu pago a próxima rodada – disse o tio Patty ficando de pé. – O que vão querer?

Appletini.

– Refrigerante dietético.

– Chope de vinho – pediu tio Téo, que agora superara sua obsessão por tequila, sal e limão.

E o restante disse: – Cerveja.

Depois de escutar as seis histórias, tia Ofélia conseguiu se entrosar com maior facilidade com a família postiça do quase-namorado (seu medo de compromisso era de um tamanho gigantesco naquela época, embora gostasse genuinamente do tio Téo, ela nunca chegou a chamá-lo de namorado, pois perdera a oportunidade: oito meses mais tarde, tia Ofélia viria a ser pedida em casamento por ele), de modo que a noite passou a fluir com um maior nível de risadas, brincadeiras, conversas divertidas, histórias do passado, uma pitada de álcool, consumição dos tradicionais amendoins do Escórpio e outra epifania da parte do papai.

Rodeado por aqueles entes queridos, papai se descobriu pensando na música 8 de Abril da banda Viper (essa eu conheço!), particularmente, o seguinte trecho lhe surgia entre os pensamentos: Não tem mais graça / Não tem mais graça / Não ter ninguém.

Do outro lado da cidade, mamãe tinha acabado de chegar ao seu flat, totalmente exausta após três dias seguidos trabalhando em um caso, ela abriu a geladeira, pegou um pote de sorvete de flocos nevados (seu sabor preferido), se sentou na beirada da janela e olhou para a lua, imaginando se algum dia encontraria o amor da sua vida.

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