sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Crônicas da Minha Vida (199) + Bônus



.: NOITE DE JOGOS :.


Tio Téo é um homem muito sortudo. Isso é incontestável.

Em toda minha vida, nunca o vi perdendo qualquer espécie de jogo: pôquer, dominó, xadrez, dama, etc, etc. Nunca. Para mim é como se ele estivesse impregnado de uma eterna sorte de principiante, então não é toa que fiquei um tanto quanto chocado ao escutar o papai dizer que nem sempre tinha sido desse jeito.

– Essa sorte toda do seu tio Téo antigamente era de outra pessoa – falou papai.

– De quem? – perguntei-lhe, cheio de curiosidade.

– Do seu tio Jorge.

Houve um período sombrio na vida pré-mamãe do papai em que seu santuário, o Escórpio, sofreu um incêndio causado por uma bituca de cigarro acesa, em condições normais, o fogo não deveria ter sido muito agressivo, contudo a maldita bituca incendiou a estante onde o barman guardava as garrafas de bebida – nem preciso dizer o resultado disso.

Mesmo que o Escórpio não fosse lá um bar de alta qualidade, papai e meus tios postiços nutriam grande lealdade para com o lugar, desse modo, se recusando de ir para outro bar da cidade, por isso acabaram transferindo suas reuniões de sexta-feira para o único lugar onde não se sentiriam traindo aquele recinto queimado: o apartamento do papai, do tio Patty e, extraoficialmente, da tia Déia.

– Não importa o quanto você tente, meu filho, uma reunião no lar nunca é como uma reunião no bar – papai me disse. – Tudo é diferente na atmosfera. De fato, somente as pessoas são semelhantes, e nem todas elas!

Tal teoria tem fundamento, tanto é que as reuniões no apartamento 7B eram fundamentalmente diferentes daquelas no Escórpio por várias razões:

(A) era possível escutar o barulho da televisão;
(B) não havia nenhum cara estranho para olhar, apontar e fazer piadinhas;
(C) a iluminação era consideravelmente mais clara;
(D) o banheiro era higiênico tanto no padrão masculino quanto no feminino;
(E) não havia nenhuma solteira desavisava para ser, ah, “cortejada” pelo tio Jorge;
(F) ao invés de o cardápio ser constituído basicamente de amendoins, cerveja barata e refrigerante dietético, era constituído de cerveja barata, refrigerante dietético e o saboroso frango assado da tia Ciça, exímia chef desde sempre.

Todavia, a principal diferença era: (G) a ressurreição dos jogos para passar o tempo, acontecimento encabeçado pela tia Déia que trouxera de seu apartamento quase todos os jogos daquela época, consequentemente, transformando a noite de sexta-feira na Noite de Jogos que intitula essa história que estou a lhes contar.

Segundo a impecável memória do papai, isso ocorreu numa sexta-feira chuvosa de outubro, alguns dias antes do aniversário de 28 anos do tio Patty, naquela época ele já havia noivado com tia Déia, papai estava namorando tia Ciça, tio Téo começara a sair com uma mulher de nome Fernanda e tio Jorge era um solteirão sortudo e mandachuva, o qual apenas viria a descobrir o amor de sua vida em tia Ciça dali a alguns anos.

A princípio, todos acataram a ideia da Noite de Jogos com entusiasmo, entretanto essa sensação foi diminuindo conforme um fato passou a se repetir sucessivamente: as vitórias do tio Jorge. Desde a primeiríssima noite, ele se mantinha invicto independente do seu grau de interesse no jogo em questão, vencia com uma facilidade irritante que afetava todo mundo com uma única exceção, tio Téo.

Tio Téo e tio Jorge têm uma relação análoga à do papai com o tio Patty: eles são virtualmente incapazes de ficar com raiva um do outro e não era diferente naqueles dias de anos atrás.

O grupo, influenciado pelo desânimo, fez uma votação naquela noite contra a realização de jogos, tio Jorge não gostou do resultado da votação, porém, sendo minoria, não teve outra escolha senão acatar o decidido, então se acomodou na poltrona preferida e ficou a assistir televisão juntamente com papai, tio Patty, tia Déia, tio Téo e a tal de Fernanda. Tia Ciça, como de costume, estava altamente concentrada na preparação do frango assado.

Nas palavras do papai: “Sua tia é uma artista e tudo que ela cozinha é arte de alta qualidade”. E eu concordo plenamente.

Tia Déia e a Fernanda ficaram entediadas com o programa de televisão escolhido pelo tio Jorge, o qual monopolizava o controle e, provavelmente, escolhera um programa chato por vingança, elas se retiraram do recinto indo à cozinha para ajudar tia Ciça em sua tarefa, por sua vez, tio Téo aproveitou a oportunidade e foi pedir conselhos com seus amigos sobre como chegar aos finalmentes com Fernanda, a qual estava mandando sinais positivos e negativos de maneira bastante confusa e, portanto, que não serão relatadas aqui.

Papai me explicou detalhe por detalhe quais eram esses sinais, contudo eu não entendi nadinha de nada, logo...

Agora na cozinha, tia Déia se limitou a ficar sentada conversando com tia Ciça e Fernanda, pois conhecia a futura esposa do tio Jorge muito bem e sabia perfeitamente que ela odiava de todo coração quando alguém resolvia ajudá-la no seu território enquanto que a ficante do tio Téo sequer desconfiava disso.

Por consequência, tia Ciça criou certa antipatia para com a coitada e acabou derramando “por acidente” um terço do restante do molho usado no frango na blusa dela, tia Déia sentiu dó da desavisada e decidiu lhe emprestar uma de suas blusas, levou-a ao seu quarto, abriu o guarda-roupa do tio Patty – agora 90% tomado por ela – e lhe deu cinco opções, Fernanda escolheu a segunda, tia Déia colocou as roupas de volta em seu devido lugar e então notou um jogo de tabuleiro que nunca tinha participado de uma Noite de Jogos, Banco Imobiliário.

– Durante muito tempo nós escutamos sua tia Déia se gabar sobre como era imbatível no Banco Imobiliário – papai me disse aos risos. – Quando ela encontrou o jogo, pensou ser o momento ideal para acabar com a corrente de vitórias do seu tio Jorge.

Tia Déia irrompeu na sala de estar brandindo a caixa do jogo como se ele fosse à chave para a sua libertação de anos e anos de escravidão e miséria, convenceu tio Patty a jogar usando seu charme feminino, tio Patty, por sua vez, fez com que papai concordasse em jogar, então os dois mais tio Jorge praticamente obrigaram tio Téo a acatar o pedido, Fernanda não fez nenhuma objeção e tia Ciça ficou de fora dizendo que o jantar merecia toda sua atenção.

Uma vez que os jogadores foram definidos, formaram três duplas: tio Patty e tia Déia com o boneco branco, tio Téo e Fernanda ficaram com o boneco azul e tio Jorge e papai ficaram com o boneco preto, cada dupla jogou os dados para determinar a ordem da partida, como de costume, tio Jorge tirou o valor mais alto e por isso seria o primeiro a jogar, os noivos seriam os segundos enquanto que tio Téo e sua ficante ficaram por último.

Quando me contou essa história originalmente, papai – abençoado com sua memória de dar inveja – me descreveu cada singela rodada daquela Noite de Jogos, infelizmente, puxei para o lado de mamãe no quesito memória que dificilmente consegue se lembrar do jantar da noite anterior, ironicamente, é uma advogada de renome no Estado.

Justamente por ter herdado parcialmente a memória de mamãe, saltarei para a 37ª rodada do jogo, na qual papai tinha parado de jogar para ficar agarrado com tia Ciça no sofá, tio Patty e tia Déia contavam com apenas uma nota de 100, tio Téo e a ficante estavam com o boneco em frente a um lado do jogo cujas propriedades pertenciam unicamente ao tio Jorge que, por sua vez, tinha transformado o tabuleiro do jogo em seu playground. Papai disse que ele era um verdadeiro Don Corleone ali... Seja lá o que isso signifique.

Se tio Jorge estava até o pescoço de tanta sorte, tio Téo estava até o pescoço de azar, não somente Fernanda tinha mandado apenas sinais negativos durante as rodadas de jogo como também só poderia escapar da falência nas mãos do amigo caso tirasse um doze com os dois dados – seria necessária muita sorte para isso e tio Jorge sabia.
Tio Jorge estava brincando com um ossinho frágil do frango desde o jantar, ele olhou para o ossinho, depois olhou para o tio Téo e antes que pudesse jogar os dados, fez uma proposta interessante ao velho e querido amigo.

Pelo que papai me disse, suas palavras exatas foram às seguintes: “Porra, Téo, você tá numa maré de azar hoje, hein! Escuta só, não quer a minha sorte emprestada? Eu não tô precisando muito dela”.

Tio Téo olhou para Fernanda, que não estava nem ligeiramente animada com ele, olhou para sua situação deplorável no jogo, então encolheu os ombros e aceitou aquela proposta nada convencional, tio Jorge estendeu o ossinho para ele, o mandou puxar com toda força para que quebrasse e tio Téo obedeceu.

Em uma reviravolta inesperada, tio Téo venceu o jogo aquela noite e desde então é o que tem feito em todos os jogos, chegou aos finalmentes com Fernanda alguns dias mais tarde, fundou sua própria empresa de softwares transformando-se em um dos homens mais ricos do mundo, se casou com tia Ofélia e teve um casal de filhos que também são meus primos postiços, sempre que esta fazendo palestras pelo sul do país, tio Téo vem nos visitar em casa e nunca perde para o papai em suas partidas de xadrez.

Quanto ao tio Jorge... Ele também se deu bem na vida, ocupa um cargo de respeito numa empresa de hardwares, está muito bem casado com tia Ciça, tem três filhos homens, vive num condomínio fechado e faz questão de convidar o tio Téo para a churrascada de domingo, quando a cerveja está acabando e a festa também, tio Jorge olha no fundo dos olhos do tio Téo, abre um sorriso inteiramente sincero e diz: “E aí, meu amigo, esta aproveitando a minha sorte?”.

Se você perguntar ao papai ou ao tio Patty ou mesmo ao tio Jorge, eles dirão que a transferência de sorte ocorreu devido à arrogância do próprio tio Jorge. Tio Téo, porém, tem outra teoria, de acordo com ele, o amigo lhe deu sua sorte por causa de um sentimento muito mais nobre: bondade.

Ele sinceramente queria que o tio Téo se desse bem naquela noite e em todas da sua vida.


.: UNE LE JOUR DANS VIE :.

Eu estava conversando com alguém,
Dizendo exatamente o que eu gostaria de ouvir,
Então eu disse:
Compre uma máquina do tempo, faça milhões de músicas,
E salve o mundo!
Então ele me disse, em tom de comicidade, que músicas
Não salvam o mundo.
Mas, sabe... Eu acho que deveriam salvar
Porque é a única coisa no mundo que faz sentido.
Eu acredito que, sim, a música poderia me salvar agora.
Poderia me salvar desse exercício doente, em que insisto
Em não querer saber quem eu sou.
Nesse exercício vicioso de parecer pior do que todas as outras pessoas
E de achar ser incapaz de fazer qualquer coisa.
Talvez eu seja uma dessas pessoas que perde a coragem
Quando dizem que eu nada sou;
Talvez eu tenha vivido mesmo os 60’s com você;
Talvez eu tenha sido uma pessoa que não acrescentou nada no mundo
E morreu bem rápido;
Talvez eu tenha te inspirado a escrever algumas canções;
Talvez a fazer muitos discos;
Talvez eu não seja ninguém, mas acredito que
Bem-aventurado é aquele que encontra, um dia na vida,
Algo que goste de fazer,
Algo que faça com que se orgulhem de você,
E algo que faça sentido nesse mundo insano.
Eu encontrei a música, garoto.
Eu encontrei a música, garoto.
Eu encontrei a música, garoto.
Eu encontrei...
Eu encontrei você.
Eu amaria poder dançar com você.

-Camila Wu
(mais textos em Monkey On Your Back)




.: CRÔNICAS DA MINHA VIDA (199) :.


1900.
P: Vai cursar [Direito]?
F: Por seis meses. Se eu gostar, continuo cursando.
P: Você será um ótimo advogado, mano.
F: Acha mesmo?
P: Acho.

1899.
F: (comendo esfirra de queijo) Estranho! Estou sentindo uma pontada de gosto de limão!
P: (olha para o prato em que vieram as esfirras, o qual tem algumas fatias de limão) Não liguem para ele, amiguinhos, ele é cego.

1898.
F: Já chegou o seu ingresso do [show] Iron Maiden?
P: Já.
F: Veio com a munhequeira?
P: Não.
F: Ahá! O meu veio! Morra de inveja.
P: É só um pedaço de pano, mano.
F: Pô, mano, dá para fingir estar com inveja, por favor? Faça-me feliz!
P: (sardônico) Oh, nossa! Eu não tenho uma munhequeira! Cortarei os meus pulsos.

1897.
F: Ah, mano, preciso de uma opinião. Chinesinha disse outro dia que quando eu falo, parece que estou em um filme, como se eu estivesse interpretando um personagem. Diga-me: isso é verdade?
T: Às vezes... Mas é o seu jeito de escrever/falar.
F: E isso é legal e divertido e carismático?
T: Sim, eu acho. Por quê?
F: Porque eu nunca tinha notado isso.
T: Pô! É o seu jeito!
F: É um jeito legal. Eu estou feliz com o meu jeito.
T: Somos dois, mano, somos dois.
F: O seu jeito também é muito legal, mano, meio calado e com umas poses legais, poderia ser galã de filme, sabe. Você seria o cara que dá uma piscadela e a menina já vem com a calcinha na mão e eu seria o cara engraçado.
T: (convulsões de risos)

1896.
F: [censurado] confirmou presença [no seu aniversário]?
T: Quase! Tipo, 80% confirmado.
F: Será nas férias... O que, possivelmente, poderia impedi-lo de ir?
T: Alguma desgraça que separe Benfica de Belém.
Ju: Quem é [censurado]?
F: Um amigo dele muito gente boa da UFPa.
T: Já falei de todo mundo para ele, até da preta, eu falei! Até do [censurado]², eu falei!
F: Avisou-o da nossa completa falta de vergonha em relação a falar de putaria pesada?
T: Eita... Não.
Ju: E o nome dele é [censurado] mesmo?
T: Não, não. É (diz o nome), mas lá na universidade a gente chama ele só de [censurado]. E o Felipe chama ele de xará.
F: O curioso é que o apelido “xará” está se proliferando. Até a [censurado]³, uma amiga do [censurado], está começando a chamá-lo assim.
T: (pasmo) E cê tem contato com a [censurado]³?
F: Aham. Nós nos seguimos no Twitter. Muito gente boa, nós já dividimos uma pizza.
T: Eita! Definitivamente, cê tá mais presente na vida dos meus amigos do que eu!
F: Também, mano, toda vez que a gente marca de sair, você tá ocupado fazendo trabalhos e transformando água em vinha!
Ju: (boquiaberta) Meu Deus! Você sai com os amigos da faculdade dele SEM ele?! (risos) Bizarro!
F: (todo errado) Ah, pô, é que eles são muito gente boa.

1895.
Ju: (falando da situação hipertensa de um amigo e sua namorada, patologicamente, obsessiva) ... Então, ele está em um beco (quase) sem saída.
F: Ele pode tentar o papo de “não sou eu, é você” nela, porque, veja bem, de nada adiantaria um papo de “não é você, sou eu” em uma menina dessas.
Ju: (risos) Adorei o papo de “não sou eu, é você” (risos).

1894.
CW: Tudo que me lembra [a] esquerda é duvidoso!
F: (risos) Por que será, hein?

1893.
CW: Felipe, quando você vier para cá, vamos jogar umas partidinhas de Uno?
F: Claro, só tem que me ensinar as regras.
CW: Aham, mas já aviso: ganho todas, dificilmente eu perco!
F: OK, prometo te deixar vencer quando os seus amigos estiverem por perto.
CW: (risos) Aham.
F: É o mínimo que eu poderia fazer. Não ia pegar bem se eu chegasse aí do nada e roubasse o teu cinturão de campeã. Isso seria muito Rocky Balboa da minha parte... ... ... ... ... OK, agora é guerra. Construirão uma estátua minha aí depois das rodadas ininterruptas de vitória no Uno.
CW: (olhar de desprezo).
F: Eu deveria ter ficado calado quando você soltou a primeira risada, não é? Maldita ganância...! Quis ser engraçado e acabei vaporizado... É a vida.
CW: (convulsões de risos).

1892.
F: Às vezes, eu e o [pequeno mano messiânico] viajamos nessa piada de ele = Jesus Cristo. No momento, estamos falando da vida passada dele como Sir Galahad, quem não conhece acha que nós cheiramos muita farinha.
CW: Cheirar farinha deve ser bom.
F: Única vez em que eu cheirei foi por acidente. “Acidente”, na verdade. Estávamos fazendo bolo e a [censurado] resolveu começar com as patetices dela. Mamãe dela só não tirou o nosso couro por ter sujado tanto a cozinha porque Deus é Pai.
CW: (muitos risos).

1891.
Bruxo de Fogo: Ah, cara, eu quero te falar uma coisa: bicho, você é uma das pessoas mais sábias que eu conheço na vida. Ou melhor, jovem e sábia.
F: Obrigado, meu amigo flamejante.


1 comentários:

Camila disse...

TÁ LINDOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! <3

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