quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Apenas um devaneio qualquer



Apenas um devaneio qualquer



Eu não tenho carro, logo o transporte coletivo é a minha principal forma de locomoção, portanto, não é uma grande surpresa que outro dia eu estava voltando do cursinho de ônibus, paguei a minha passagem — um absurdo de tão cara! —, sentei naquele assento mais alto, pus o meu fone de ouvido e estava a ponto de me perder na melodia de Janis Joplin quando, do nada, minha atenção é desviada pela menina que ocupou o lugar ao meu lado: deveria ter dezesseis, ou dezessete anos, cabeleira preta presa em um rabo de cavalo, uniforme do Teorema e uma bolsa gigante e para lá de chamativa de onde ela, pasme, tirou um objetivo retangular — um livro!

Eu, por um momento, fiquei com os olhinhos brilhando de tamanha emoção — e como não poderia? Afinal, era uma menina bonitinha e que, aparentemente, sabia ler! —, contudo é como dizem por aí “felicidade de pobre dura pouco” e, no meu caso, deve ter durado menos de um attossegundo (um bilionésimo de um bilionésimo de um segundo): o livro retirado por ela era nada mais, nada menos que Eclipse, um escrito da Stephanie Meyer.

No primeiro instante, eu brochei, meu bonequinho se encolheu que nem uma tartaruga assustada, depois eu me desatei a rir ao me lembrar de um amigo dizendo que “o único jeito de ter uma mulher linda e inteligente é construindo uma”, e então eu pensei: por que ela está lendo Eclipse, da Stephanie Meyer, enquanto eu estou lendo A Microfísica do Poder, de Michel Focault? Por que livros de vampiros bonzinhos estão fazendo mais sucesso do que livros como, por exemplo, A Revolução dos Bichos, de George Orwell? Por que foi necessário que a Rede Globo fizesse uma minissérie para que as pessoas se lembrassem do sofrimento de Capitu e da paranoia de Bentinho? Bem, eu me arrisco a dar uma resposta.

Edward Cullen é aquele cara bonitão que esperou quase dois séculos para finalmente conhecer “a garota certa” e com ela perder sua virgindade, ele é um Príncipe Encantado ao passo que Bentinho é, mesmo em sua idade adulta, o menino inseguro, ciumento e falho, o qual deixou escapar o amor da sua vida por acreditar — sem nunca ter confirmado nada — que ela estava a traí-lo com seu melhor amigo, Escobar. Bentinho é humano, ele é real. E é aí que jaz o segredo do sucesso dos vampiros que brilham diante da irradiação solar: não há uma gota de realidade em sua concepção.

As pessoas de hoje em dia, homens e mulheres, clamam pelo irreal, pela fantasia, estão saturadas de viver na realidade, de acordar todos os dias vendo notícias desastrosas no telejornal, de escutar sobre ataques terroristas aqui, ali e acolá, de ler profecias falando do Fim do Mundo.

As pessoas, principalmente as de menor idade, não aguentam mais isso. Não querem saber disso. Então, o que fazem? Põem de lado os escritos de Jean-Paul Sartre e pegam para ler as peripécias de Edward Cullen, de Serena van der Woodsen, de Stefan Salvatore, etc, etc...

Eu, pessoalmente, não vejo sentido nessa fuga da realidade, porque não obstante do quanto você tente fugir, do quanto você tente fazer com que sua vida tenha um quê de semelhança com o livro, não mudará que, nalgum momento, você terá de fechar o volume e daí retornar para a vida real, para a realidade, aquele lugar que, como dito por Woody Allen, pode ser chato, mas continua sendo o único lugar onde você pode comer um bom bife.

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